quarta-feira, 24 de novembro de 2010

JUM NAKAO, O DESFILE E A COSTURA DO INVISÍVEL (EXERCÍCIO KANT)



Jun Nakao (São Paulo, 1966) é estilista e diretor de criação, e inicia sua formação através do CIT-Coordenação Industrial Têxtil (onde tem os primeiros contatos com a área de moda) e posteriormente cursa licenciatura em Artes Plásticas, extensão universitária em História da Vestimenta no Instituto de Musicologia de São Paulo e História da moda no SENAC.
O brasileiro neto de japoneses, em 1996 é considerado a grande revelação da 6ª edição Phytoervas Fashion e por seu destaque, ocupa o cargo de diretor de estilo da Zoomp. Em 2002, é convidado para ser o estilista parceiro no Projeto Internacional Hotel Lycra.
Em 2004, Jum Nakao participa do São Paulo Fashion Week, onde apresenta o que viria a ser um dos mais impactantes desfiles. A princípio o estilista, durante o seu processo de criação, não revela nada além do uso do branco, bordados e tecidos tecnológicos, até então gerando uma expectativa que corresponderia a um desfile “tradicional”.  Estas informações seriam extremamente necessárias para enfatizar a real proposta do desfile que era gerar um impacto surpreendente, um deslumbramento intenso e o caos, seguido por um sentimento de vazio. Com a entrada da primeira modelo, este impacto surpreendente é alcançado, pois ao invés de “roupas tradicionais”, ou seja, de tecido no caso branco e com bordados, surge uma modelo que só poderia ser identificada como um boneco lúdico playmobil vestida com uma roupa branca, mas que era de papel vegetal. Depois de passado o impacto surpreendente, houve o momento de deslumbramento intenso, onde todos puderam apreciar o minucioso trabalho da elaboração da superfície, as formas e ‘rendas’, que foram inspiradas no final do século XIX e início do século XX com a estética art noveau e estudos volumétricos. Além disso, as modelos estavam todas com um collant preto, por baixo das roupas de papel, que começava no pescoço e ia até os pés e com a mesma peruca de plástico que era uma alusão aos bonecos playmobil, o que possibilitou uma identificação dos espectadores com qualquer modelo e gerou a idéia de reprodutibilidade do playmobil dando foco as roupas únicas e não a um momento, ou modelo do desfile. A maquiagem também foi outro fator importante para enfatizar o conceito da reprodutibilidade e do lúdico, pois todas as modelos também estavam com a mesma maquiagem que dava a impressão delas serem feitas de plástico com as sobrancelhas e boca bem marcadas e pintadas de preto e os cílios de branco, que também passavam uma idéia de distanciamento. O cenário também era de papel (papel vergê), em forma de cones que juntos pareciam ter vida, pois pulsavam luzes coloridas. Durante estes dois momentos do desfile (o impacto surpreendente e o deslumbramento intenso) a iluminação se mantinha como de galerias de arte, e a trilha sonora tinha uma mistura de música popular com tango, batidas secas e repetitivas, gerando suspense. Após a saída da última modelo da passarela, a trilha sonora mudou. Agora havia uma idéia de vazio, de eco e muito suspense. Todas elas voltaram e ficaram enfileiradas, intensificando a grandiosidade do trabalho uma ao lado da outra. Ao som de uma explosão seguida de ruídos e uma iluminação como flahes bem aterrorizante, acontecia o momento caos do desfile. O grandioso e frágil trabalho que consumiu meia tonelada de papel vegetal e 700 horas de trabalho de uma equipe de mais de cem pessoas, foi destruído, rasgado, literalmente picotado pelas próprias modelos, que só souberam que as rasgariam poucas horas antes do desfile.
Era o fim do desfile. As modelos deixaram a passarela sem nenhum pedacinho de papel em seus corpos. A extrema emoção dominou todos que estavam presentes, sucedida por uma imensa sensação de vazio. Aquilo que foi papel se transformou em forma, em desejo e voltou a ser papel; mas mesmo assim vai durar para sempre.
A intenção de Jum Nakao foi trazer o questionamento sobre o consumo, a materialidade, o valor da moda e da arte. Quis mostrar que o que tem mais valor é o invisível, que “Precisamos desnudar a nossa alma para revelar a capacidade de sermos leves, sonhar com indivisíveis, impossíveis, inexplicáveis, indefiníveis. E associar o traço visível à coisa invisível, criando volumes, texturas, cores, palavras, desenhos, aberturas e caminhos para um novo pensamento. Esta é a costura do invisível.
               
Análise do desfile à luz da estética kantiana
Jum Nakao teve a intenção de criar uma atmosfera de expectativa e de surpresas em todo o desfile, desde o processo de criação até a sua concretização. O material escolhido pelo estilista para a confecção das roupas, como já citado, deixa o campo da objetividade, deixa de ser algo que se encaixe ao seu fim e entra no campo da finalidade e subjetividade. O papel deixa de ser papel e se transforma em forma, em contexto, em desejo e subjetividade. Ao final do desfile, o material rasgado perde o seu valor subjetivo, perde a sua finalidade e volta ao campo fim.
Quando vamos a um desfile, temos o interesse de satisfazer aquilo que estamos esperando através da trilha sonora, do cenário, da iluminação, da maquiagem, das modelos e das características das peças de roupas que correspondem a um tema. A expectativa inicial é quase sempre a mesma e em alguns desfiles conseguimos somente satisfazê-las. Mas o estilista Jum Nakao quis provocar uma quebra de expectativa com algo novo, desconhecido e surpreendente.  Este prazer interessado não pode simplesmente se satisfazer, pois foi extrapolado com a presença uma surpreendente mistura de elementos, com algo novo e desconhecido. O que pode ter sido um prazer interessado até um pouco antes do fim se tornou um sentimento puramente contemplativo.

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